quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Na mouche

Com a devida vénia ao DN

O APELO À MAIORIA ABSOLUTA, Pedro Lomba
«No espaço duma semana, dois antigos presidentes da República, Mário Soares e Jorge Sampaio, alertaram publicamente para o risco sério de a crise poder tornar Portugal "ingovernável". Por causa disso, Soares recomenda que uma nova maioria absoluta para o PS pode ser a solução. E Sampaio, sem se comprometer tanto, não deixa de dizer que "o problema de governabilidade, oculto pela existência de uma maioria absoluta, pode irromper nos próximos tempos de forma dramática". Não é abusivo concluir que, tal como Soares, Sampaio prefere que a maioria absoluta do PS se mantenha.
Nenhum desses avisos vem por acaso. O facto é que o principal interessado neste discurso, o Governo, já entrou em campanha eleitoral para revalidar a maioria absoluta. Como desta vez não há o caos de 2004 nem o efeito Santana Lopes, o PS precisa de diversificar as suas fontes de inspiração. Sócrates pode assumir a paternidade de medidas externas como a descida dos juros, que ninguém o questiona. Mário Lino quer detalhes completos sobre que inaugurações andam por aí a ser celebradas para o Governo não perder oportunidades. E o Conselho de Ministros aprovou patrioticamente a mais recente oferta às construtoras civis de permitir ajustes directos, um procedimento excepcional e sempre melindroso, para empreitadas com o valor anódino de 5,150 milhões de euros. São assim os governos com maioria absoluta.
O pressuposto de que a nossa governabilidade depende da existência de maiorias absolutas obedece a uma certa lógica histórica. Quando no final da década de 80 Cavaco Silva insistia na maioria absoluta como condição de governabilidade, estava a falar para um País anormal onde os governos não conseguiam terminar uma legislatura. Mas as nossas circunstâncias mudaram. Hoje, o discurso da governabilidade como fundamento duma maioria absoluta não pode repetir o velho diapasão da estabilidade, porque a questão da governabilidade do País não pode ser reduzida à simples estabilidade institucional.
O que tanto Soares como Sampaio não disseram com clareza é que, como estes últimos anos demonstraram, uma maioria absoluta pode ser suficiente para gerar estabilidade institucional, mas insuficiente para trazer estabilidade política. A estabilidade política precisa de mais do que um Governo com a liberdade para aprovar leis no Parlamento e o poder para se defender das oposições. Fazer de Portugal um sítio governável implica actuar sobre as causas que há dez anos nos impedem de crescer e sair da estagnação. Que valor pode ter um Governo de maioria absoluta, do PS ou do PSD, que se mostra incapaz de afrontar os problemas essenciais do País e de abrir perspectivas? A estabilidade depende dessa coragem e não das maiorias absolutas.»