quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Com a devida vénia ao Luciano e ao Público...

... transcrevo aqui o artigo de opinião do Luciano Alvarez na edição de hoje do Público. Na mouche, diria eu.

«A moribunda cooperação começa a resvalar para o pântano


03.12.2008, Luciano Alvarez


Ainda em campanha para as presidenciais de 2006, Cavaco Silva lançou uma nova expressão no léxico político português: "cooperação estratégica". Duas palavras que repetiu várias vezes já depois de eleito e que queriam dizer que o Governo podia contar com a sua colaboração para ajudar a resolver os problemas do país. José Sócrates, que saiu dessas eleições fragilizado por Alegre ter tido uma votação superior a Soares, agarrou a ideia com as duas mãos e jurou que também o Presidente podia contar com ele para a tal cooperação.

Após as primeiras divergências políticas entre Cavaco e Sócrates, o Presidente manteve a expressão como válida. O primeiro-ministro nunca a renegou no seu todo, mas, subtilmente, ele e outros dirigentes socialistas começaram a chamar-lhe "cooperação institucional". Alberto Martins, em Outubro, numa entrevista ao programa Diga lá, Excelência, explicava mesmo que preferia a expressão "cooperação institucional" por ela reflectir melhor a interdependência dos poderes prevista na Constituição.

José Sócrates e Cavaco Silva têm uma visão diferente da palavra "cooperação". Para o Presidente, significa uma forma estratégica de juntar vontades, forças e acções para resolver os problemas do país no âmbito das competências constitucionais de cada instituição. Já para Sócrates ela é absolutamente institucional: admite boas vontades, mas as políticas e as decisões são suas, como manda a Constituição, dispensando, porém, qualquer tipo de acções e até opiniões contrárias. Mesmo quando se trata de deliberações que parecem revelar objectivos de amiguismo político, como é o caso do Estatuto dos Açores, ou quando elas têm fins meramente eleitoralistas, vale primeiro a política do "quero, posso e mando" há muito aplicada pelo líder do executivo.

Na verdade, a cooperação entre Belém e São Bento está moribunda há já bastante tempo, embora nenhum dos inquilinos destes palácios o admita. Não é que daqui venha um grande mal ao chamado "regular funcionamento das instituições". Basta conhecer minimamente o pensamento político e a forma de estar na política de Cavaco Silva e Jóse Sócrates para se saber que estes dois homens nunca poderiam ter um entendimento profundo.

Já graves são os sinais que começam a surgir de que há uma estratégia do PS para atacar o Presidente da República, enquanto político e enquanto cidadão. Uma estratégia que vai além da intransigência de mexer no texto do Estatuto dos Açores, que o chefe de Estado vê como fundamental e divide mesmo alguns socialistas, ou do simples facto de não adoptar um mecanismo de acompanhamento da nova Lei do Divórcio, como sugeriu Cavaco. Quando um adjunto directo do primeiro--ministro vem a público criticar o Presidente da República, no final de Outubro, por ter vetado, ao abrigo os seus direitos constitucionais, o Estatuto dos Açores, enquanto o primeiro--ministro se refugia no silêncio; ou quando José Lello, dirigente do PS e um dos conselheiros do Sócrates, refere a existência de rumores sobre Cavaco Silva e o BPN, já não se trata de haver ou não cooperação. Trata-se de puro terrorismo político.

Atacar desta forma o Presidente para dar ideia de que há divergências ideológicas profundas entre Cavaco e Sócrates pode até valer alguns votos à esquerda nas eleições do próximo ano. Mas também cria desconfiança e acinte entre os líderes de duas instituições que, mesmo não cooperando estrategicamente ou institucionalmente, têm forçosamente de se entender sobre matérias importantes. E como esses sentimentos estão em cima da mesa, não há entendimentos possíveis. Haverá apenas o pântano em que alguém ficará atolado».