... transcrevo aqui o artigo de opinião do Luciano Alvarez na edição de hoje do Público. Na mouche, diria eu.
03.12.2008, Luciano Alvarez
Ainda em campanha para as presidenciais de 2006, Cavaco Silva lançou uma nova expressão no léxico político português: "cooperação estratégica". Duas palavras que repetiu várias vezes já depois de eleito e que queriam dizer que o Governo podia contar com a sua colaboração para ajudar a resolver os problemas do país. José Sócrates, que saiu dessas eleições fragilizado por Alegre ter tido uma votação superior a Soares, agarrou a ideia com as duas mãos e jurou que também o Presidente podia contar com ele para a tal cooperação.
Após as primeiras divergências políticas entre Cavaco e Sócrates, o Presidente manteve a expressão como válida. O primeiro-ministro nunca a renegou no seu todo, mas, subtilmente, ele e outros dirigentes socialistas começaram a chamar-lhe "cooperação institucional". Alberto Martins, em Outubro, numa entrevista ao programa Diga lá, Excelência, explicava mesmo que preferia a expressão "cooperação institucional" por ela reflectir melhor a interdependência dos poderes prevista na Constituição.
José Sócrates e Cavaco Silva têm uma visão diferente da palavra "cooperação". Para o Presidente, significa uma forma estratégica de juntar vontades, forças e acções para resolver os problemas do país no âmbito das competências constitucionais de cada instituição. Já para Sócrates ela é absolutamente institucional: admite boas vontades, mas as políticas e as decisões são suas, como manda a Constituição, dispensando, porém, qualquer tipo de acções e até opiniões contrárias. Mesmo quando se trata de deliberações que parecem revelar objectivos de amiguismo político, como é o caso do Estatuto dos Açores, ou quando elas têm fins meramente eleitoralistas, vale primeiro a política do "quero, posso e mando" há muito aplicada pelo líder do executivo.
Na verdade, a cooperação entre Belém e São Bento está moribunda há já bastante tempo, embora nenhum dos inquilinos destes palácios o admita. Não é que daqui venha um grande mal ao chamado "regular funcionamento das instituições". Basta conhecer minimamente o pensamento político e a forma de estar na política de Cavaco Silva e Jóse Sócrates para se saber que estes dois homens nunca poderiam ter um entendimento profundo.
Já graves são os sinais que começam a surgir de que há uma estratégia do PS para atacar o Presidente da República, enquanto político e enquanto cidadão. Uma estratégia que vai além da intransigência de mexer no texto do Estatuto dos Açores, que o chefe de Estado vê como fundamental e divide mesmo alguns socialistas, ou do simples facto de não adoptar um mecanismo de acompanhamento da nova Lei do Divórcio, como sugeriu Cavaco. Quando um adjunto directo do primeiro--ministro vem a público criticar o Presidente da República, no final de Outubro, por ter vetado, ao abrigo os seus direitos constitucionais, o Estatuto dos Açores, enquanto o primeiro--ministro se refugia no silêncio; ou quando José Lello, dirigente do PS e um dos conselheiros do Sócrates, refere a existência de rumores sobre Cavaco Silva e o BPN, já não se trata de haver ou não cooperação. Trata-se de puro terrorismo político.
Atacar desta forma o Presidente para dar ideia de que há divergências ideológicas profundas entre Cavaco e Sócrates pode até valer alguns votos à esquerda nas eleições do próximo ano. Mas também cria desconfiança e acinte entre os líderes de duas instituições que, mesmo não cooperando estrategicamente ou institucionalmente, têm forçosamente de se entender sobre matérias importantes. E como esses sentimentos estão em cima da mesa, não há entendimentos possíveis. Haverá apenas o pântano em que alguém ficará atolado».